Só por si, os genes da timidez não têm poder suficiente para condicionar a nossa auto-estima e o nosso grau de sociabilidade. Mais importante e decisiva é a forma como os nossos pais nos olham, vêem o mundo e a si próprios. Boas expectativas são fonte de confiança e bem-estar.
Ser tímido não é uma doença. Também não é uma disposição incurável ou rara. Na verdade muitos de nós nascemos com esta predisposição. Cerca de vinte por cento, asseguram especialistas nestas áreas, que atribuem esta característica a um factor genético herdado do pai ou da mãe.
Por outro lado, sabe-se igualmente que qualquer criança, independentemente de ser ou não potencialmente tímida, atravessa fases de retraimento ligadas a ciclos de crescimento. A primeira demonstração de estranheza ou «vergonha» ocorre por volta dos seis meses de idade, quando o bebé aprende a diferenciar o ambiente em que vive e as pessoas que estão á sua volta. Mais tarde, com pouco mais de um ano, o bebé volta a sentir uma certa insegurança ou «vergonha» quando se descobre uma pessoa independente dos pais, temendo o contacto com estranhos. São fases normais de crescimento que não fazem a «história» do bebé.
O que vem a seguir é claramente determinante, ou seja, são as circunstâncias de vida que irão acentuar essa predisposição ou, pelo contrário, diluí-la, e mesmo «apagá-la» completamente.
Dito isto, um bebé potencialmente «tímido» tem todas as hipóteses de deixar de o ser à medida que cresce, se for apoiado e encorajado pelos pais no sentido de desenvolver capacidades, competências e auto-estima. Pelo contrário, circunstâncias adversas na infância poderão levar a que timidez se instale de uma forma excessiva, transformando-a num «sintoma complexo», segundo Claude Halmos, psicanalista francesa. E este sim, exige ser identificado a tempo e levado muito a sério.
O problema reside no facto de muitos pais considerarem a timidez, tal como a preguiça ou a distracção, uma característica incomodativa e ligeiramente pejorativa, esperando que mude com o tempo. Desagrada-lhes que o filho se lhes agarre às pernas, impacientam-se quando ele se recusa a brincar com outros meninos ou que não abra a boca em frente de estranhos. «É tão tímido!», dizem, ignorando a violência do impacto que esse diagnóstico causa na criança. O mais provável é que muitos anos depois, já na idade adulta, esta ainda sinta como extremamente dolorosa a etiqueta da timidez que se lhe colou à pele para sempre, como se fizesse parte da sua verdadeira identidade.
Ao longo da infância, muitas vezes desde muito cedo, já que a timidez excessiva se torna particularmente visível entre os cinco e os sete anos, os tímidos sentiram-se culpabilizados, pressionados a mudar, prisioneiros de medos que os impediam de se expandir, de ir ao encontro dos outros, de investir com prazer nas mais variadas actividades, de revelarem capacidades e competências com medo da crítica dos outros. Essa consciência vem mais tarde, ainda que tenha sido vivida com muita dor na infância.
Quando se parte à procura das causas que podem levar ao desenvolvimento excessivo da timidez infantil, muitos são os que relacionam o sintoma, ainda que «complexo», com um possível sentimento de desvalorização desde muito cedo instalado. Françoise Dolto, psicanalista francesa, remonta aos primeiros momentos após o nascimento e ao efeito das expectativas parentais sobre o bebé, que ficam gravadas como numa «banda magnética» no seu cérebro. Desse olhar depende o lugar que lhe reservam na família. Mas depende igualmente do olhar que os pais têm sobre si mesmos. Se são eles próprios tímidos e pessimistas, se têm medo da vida e dos perigos que ela encerra, se são inseguros e pouco satisfeitos, se tendem a isolar-se dos outros, se têm poucos amigos, se são super-protectores e ansiosos, então é provável que tudo isso venha a influir no comportamento da criança. O mesmo acontece quando são excessivamente rígidos, críticos em permanência, avessos a demonstrações de ternura ou muito dominadores.
Reconhece-se, pois, que os pais têm a sua parte de responsabilidade em todo o processo, sem que por isso sejam «culpados». Podem e devem, contudo, tomar consciência destes factos e tentar melhorá-los. Demonstrar afecto, incitar a criança a abrir-se e a falar sobre o que sente, aplaudir as suas conquistas e os seus êxitos, por menores que sejam, são formas seguras de os ajudar. Devem evitar compará-lo com outros, suprimir as críticas destrutivas, não desvalorizar os seus medos e inseguranças, motivá-lo a experimentar actividades sem nunca o forçar, incentivar o seu desejo de acção, convidar outras crianças para brincar com ele e acompanhar os seus jogos.
Actividades como a pintura, a música e o teatro ajudam a quebrar a rigidez e incentivam a criatividade. Quando a criança tímida interioriza a ideia de é capaz de fazer coisas bem feitas, e que vai somando pequenas vitórias, a sua auto-estima cresce, o que é afinal o segredo da nossa confiança, em nós e nos outros. Devemos aceitar que a timidez é um problema que se vence gradualmente e com paciência.
PALAVRAS QUE AJUDAM
1 – Não é inofensivo dizer a uma criança que é tímida. Esta etiqueta vai persegui-la a vida toda.
2 – A timidez não é uma doença. Prende-se com a desvalorização da auto-imagem e com a imagem do outro, sentido como perigoso.
3 – Os pais devem fornecer aos seus filhos instrumentos para viver em sociedade, ajudando-os a enfrentá-la.
in "Pais & Filhos"